domingo, 6 de agosto de 2017

Eles não sabem de que lado virá o “inimigo”.

Versos | Prosas - Por José Antonio C. Jardim 
Uma Tarde na Favela do Tiradentes. Para algumas pessoas é da favela que emanam todas as mazelas sociais é o lugar a onde mora o inimigo. Mediante á desinformação ao longo dos anos fez com que se proliferara os estigmas negativos para com as favelas e seus habitantes. Em algumas cidades e Estados às pessoas e entre elas os próprios governantes não aceitam tal palavra favela para se referir as suas “periferias” e para referir-se aos territórios atribuem outros nomes, a exemplo: comunidade, invasão irregular, palafita, aglomerado subnormal e outros. Mas, o que é favela? Adiantamos aos amigos leitores que favela é um território invisível e desconhecido de muitos, no entanto, é um “território habitado ou não de forma irregular sim, mas habitado por pessoas”, mas em suma é um espaço invisível e desprovido de infraestrutura pública.
Enfim, é em uma tarde gelada de inverno do mês de julho que resolvemos conhecer mais sobre a favela do Tiradentes, em Curitiba. Na ocasião, também proporcionamos às crianças e adolescentes uma tarde sociocultural, pois, estão de férias escolares e poucas são as opções de lazer. Seguimos naquela tarde fria percorrendo os becos e vielas em busca dos alunos. O silêncio á nevoa e a brisa fria que nos acompanhava em peregrinação pelos corredores estreitos ao som do vento a soprar ao nosso encontro como laminas cortantes aos nossos rostos nos dava uma leve impressão que tudo estava bem, apesar de sabermos que não está, pois, caminhávamos em uma favela com dezenas de habitantes que sobrevivem praticamente com o mínimo de infraestrutura pública.
Não precisamos ir muito longe e logo nos primeiros becos nos deparamos com o primeiro grupo de crianças e adolescentes que eufóricos ao nos avistar correram ao nosso encontro, estampando largos sorrisos e a passos lentos, seguimos todos para a biblioteca comunitária. Naquele momento toda indiferença social, racial e religiosa que vieram a sofrem se sucumbia em alegria. Ao se depararem com as latas coloridas de spray se deslumbravam com algo tão simples, as corres, mas para eles naquele momento de férias é tudo o que tinham para ocupar o tempo ocioso. Arrebanhamos todos naquela tarde em uma pequena varanda estreita ao lado da igreja que diariamente fica fechada. Sem saber o estava para acontecer às mães vigiando os seus filhos e ao mesmo tempo nos observavam desconfiadas, pois, constantemente convivem com o fantasma do despejo.
No entanto, observa-se que as férias escolares para estas crianças é algo imaginário e as “regalias e alegrias não são permitidas por aqui diversos fatores". Acordar mais tarde, brincar sem ter hora de parar não é para eles, pois, poucas são as opções de lazer por aqui á não ser a velha bola furada e as ruas de terra que no improviso transforma-se no campo de futebol. Espaço que também é disputado com os cachorros, ciclistas e pedestres. Não precisa ser um expert em questões sociais ou algo do tipo para observar que estas crianças não desfrutam em sua favela do parquinho público personalizado ou do campo de futebol com gramado sintético e muito mesmo da piscina aquecida ou da colônia de férias. Disponibilizados em outras regiões da metrópole "europeia" no Brasil. Mas, é através do graffiti e das corres vibrantes que a fantasia ganha vida não só nas paredes, mas nas falas. “Eu vou ser professora quando crescer; eu vou ser médico – grita o amiguinho do lado”.
Sob os olhares atentos do que estava por vir os pequeninos seguiam os comandos do grafiteiro, o Francês – Tudo Posso; que dispusera do seu tempo de trabalho para estar conosco. Porém, ao presenciarmos tamanha alegria o nosso desejo naquele momento era de desbravar o mais profundo daquele território em busca dos seus diamantes (crianças) e apesar das mazelas sociais existente, da segregação e do descaso público para com estas pessoas, as favelas são um campo fértil de flores (adolescentes) que florescem a cada manhã gelada em meio à selva de pedra. Não demorou muito para que o nosso pedido fosse concedido. Uma das líderes comunitária virou-se para nós e disse: Vocês querem caminhar e conhecer os novos moradores e a outra parte da favela?
De imediato partimos rumo ao desconhecido e entre um casebre e outro, pausa para a prosa. Não demorou muito para fazermos uma pequena reunião ao relento. Em meio aos discursos uma senhora negra educadamente esperou sua vez para relatar sua história. Ao falar de si e dos familiares as lagrimas rolaram e com um tom de voz tremula sussurrava enaltecendo a favela e o sonho de ter um lar para acolhesse os filhos, insistentemente agradecia a Deus por ter um teto. E, entre as pernas da mãe a prole sem saber o porquê das lagrimas a criança tímida compadece de igual forma e chorou. Longe do imaginário dessa pessoa ela nos agracia com seus discursos, lágrimas e histórias de perseverança. E, mais uma vez estas pessoas nos mostram o tanto que equivocado é às pessoas em proferir ou concordar que é só das favelas que se proliferam as mazelas sociais; violência e tráfico de drogas.
Nota-se pelas histórias de luta e sobrevivência dessas pessoas que elas seguem na contramão da realidade exposta no imaginário midiático diariamente. Nem toda mazela prolifera-se da favela. E, toda marginalização direcionada a estas pessoas e seus territórios só reforçam a ideia de que o ser humano é injusto, cruel e racista ao torna parte da sua própria sociedade invisível. E, ao contrário do que é exposto por parte dos indivíduos do asfalto, poucas vezes em seus territórios “ditos normais” presencia-se o pulsar da vida com tanta veemência. E, assim seguimos em nossa peregrinação até sumir do alcance da visão daquelas pessoas e a impressão que nos toma naquele momento ao olhar para trás e não mais às vê-las é que para elas, nós, éramos a única chance de suas vidas. E, como águas correntes e cristalina esvaindo-se entre os dedos das mãos ao mergulhá-las ao leito do rio em meio a verde floresta e ao canto alegre dos pássaros, se foram deixando o silêncio. Querendo ou não, eu, em particular confesso que tive que me contentar com minha angustia e a inquietações, mas só por alguns minutos.
Caminhando entre um beco estreito não dei conta da minhas angustias. Metros à frente perguntei a presidenta da comunidade que nos acompanhava em missão de exploração territorial: Como vocês fazem para administrar, organizar todas estas famílias? As demandas são muitas em todos os sentidos e é praticamente impossível em nossa concepção administrar sem a presença do poder público. Pelo menos aprendemos assim! Ela parou olhou no fundo dos meus olhos e disparou: “Aqui pia todo mundo têm suas responsabilidades e sabem das suas obrigações. Ao contrário do que muitos pensam, existe ordem, ética e respeito; todos têm direitos e deveres, principalmente com as crianças. Todos têm que responder a chamada comunitária uma vez na semana... a fila fica enorme, mas tem que responder. Cada um tem o número no seu barraco e é por ele que são chamados, neste dia eles relatam todos os problemas e alguns são resolvidos na hora e outros durante a semana, aproveitamos para decidir tudo, até as festas.” Afirma.
É surpreendente e magnifico o modelo de “gestão pública” independente elabora por eles. Seguimos e após algumas horas de caminha e voltando, paramos mais uma vez para prosear com uma senhora haitiana, entre as falas pergunto: Há quanto tempo mora no Brasil? Pode nos falar sobre esta experiência? De imediato o silêncio tomou conta da nossa roda de conversa. Inquieto, quebrou o silêncio novamente: Tem saudades dos familiares? “Sim, temos muita saudade dos pais e família no Haiti. Moramos a tempo no Brasil... maior que a saudade é a dor da discriminada... no Haiti, não sofríamos racismo e aqui Brasil somos maltratados por alguns brasileiros. Tenho medo de maltratarem meus filhos”. Naquele momento dava para ver nos olhos daquela senhora a dor e a tristeza e morar em uma favela totalmente desassistida é o mínimo frente a segregado racial sofrida.
Meu coração aflito se compadeceu com sua dor. Minha garganta secou e as palavras sumiram, sem saber o que falar á tristeza tomou conta do meu ser, mas sabia que não poderia sair dali sem pedir desculpar o mínimo. Mesmo sabendo que nada poderia amenizar a dor e tudo que falássemos não curaria a ferida aberta que perpetuará para toda uma vida. Peço desculpa á ela por todos nos brasileiros, principalmente por aqueles que de alguma forma direta ou indireta lhe ofenderá. Ela deu um profundo suspiro buscando forças no fundo de sua alma para nos responder. Junto com á resposta as lagrimas que rolavam em seu rosto: "Desculpa aceita, mas não foi você que me ofendeu e você não tem que pagar pelo erro dos outros." Sem ter o que argumentar nos despedimos com um abraço apertado e seguimos cada um seu caminho.

Confesso que foi uma experiência única e ímpar poder fazer parte por algumas horas da vida dessas pessoas. Em resumo os olhares trocados, as prosas e as lágrimas em suma são pedidos subliminares de auxílio para com a realidade diária, mas também reflete o medo de perder seus lares. E, por mais que tentávamos naquela tarde fria combater a desigualdade social, racial e ausência de política pública, sabíamos que não se trata só de legitimar ou lhes proporcionar acesso à nossa presença e auxílio, pois, as necessidades dessas pessoas vão além do assistencialista público/privado, das religiões, da cultura, ou seja, além das ideologias hipócritas. Estas pessoas precisam é serem reconhecidas como parte visível da sociedade por todas as esferas público/privado e terem seus direitos e deveres dignamente respeitados e efetivados como o cidadão do asfalto.






José Antonio é presidente estadual da Central Única das Favelas do Paraná, ativista social, empreendedor social, pastor IPB, formado em Teologia (FTSA) e Psicologia. Contato: jose.cufaparana@gmail.com



3 comentários:

  1. Uma escrita de sensibilidade imensa... quem é culpado? bem Zé...concordo...todos nós devemos pedir perdão por aceitar as mazelas, por aceitar que o Estado, o Capitalismo e sociedade hipocrita, xenofóbica faça menos daqueles que padecem... e fazer com que tanto padeçam...sejam eles haitianos, brasileiros, africanos, afrobrasileiros.Parabéns mais um texto para acalentar a alma, o coração e nos fazer refletir sobre nossas responsabilidades !!

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  2. Excelente Zé ! É na presença viva que se encontra a verdade, muitas vezes tão perto e que muitos não querem ver.

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  3. Mil perdões por ser omisso em toda a minha existência...sinto vergonha e impotência...depous desse texto a minha foi uma...

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