domingo, 20 de agosto de 2017

Pela sobrevivência: O Menino Empreendedor – II

Versos | Prosas - Por José Antonio C. Jardim
Dois anos se passaram após o encontro com o menino empreendedor, em 2015. Todas as vezes que passávamos por Londrina, procuramos ele nos semáforos. Enfim, após algumas buscas frustradas o dia chegou. Uma tarde de sábado aparentemente tranquila, de muito calor e baixa umidade do ar, clima típico do Norte do Paraná, aguardava meu suco na praça de alimentação de um shopping. E, em meio ao vai e vem de pessoas uma voz sussurrou em meus ouvidos: O senhor quer comprar chicletes ou balinhas? Assustado, me virei rapidamente e deparei-me com um adolescente magrelo de voz roca e para minha alegria erra o empreendedor. Neste dois anos o procurei em tantos lugares e nunca imaginária encontrá-lo á alguns metros do primeiro encontro, pois, este espaço em parte é habitado em sua maioria por brancos e algumas não toleram á presença dos jovens negros de favela, sua cultura e muito menos que façam comercio ilegal.
E, como de costumes para muitos o jovem negro tem é que estar servindo-os nas lojas, restaurantes e na limpeza. Não que é errado ou vergonhoso o trabalho e pelo contrario é válido, mas também é valido o jovem ocupar a gerência e ser dono das lojas. Como não disponibilizaram tal cargo ao empreendedor, ele com sua astúcia deu seu próprio jeito. E, em meio as grande lojas tornou-se um dos comerciantes, ilegal é claro. Não só ele como milhares de crianças e adolescentes espalhadas pelo país, nas ruas e nos mais diversos locais comercializam balas, pirulitos, guardanapos, chicletes e outros. Desta forma, seguem na invisibilidade alimentando informalmente á economia brasileira. Enfim, aparentemente mais alto, cabelo raspado dos lados e topete loiro. Menino que cabelo é esse? “Tio, primeira mente uma boa tarde – agora vamos a papo e rápido. Se liga é disfarce para despistar os seguranças do mal. É também o estilo lá na favela, saca".
Não mudou nada á não ser o cabelo, á voz roca e altura, continua astuto e persuasivo. Mas, como esperado não foi dessa vez que conversamos livremente, pois além de estar trabalhando “ilegalmente” para alguns, teve que empreender fuga novamente sobre seus oponentes. “Tio é o seguinte quer ficar com umas balinhas a favela agradece”. Menino, eu publiquei sua história – O Menino Empreendedor. “Tio qual é desse lance de empreendedor, que isto?... Já peguei uns boys falando está parada, mas não precisa explicar não... praça tá lotada, eu, vou vender minhas balas”. Eu, transcrevi sua história e publiquei, falei sobre suas vendas aqui... Posso ler o texto para você agora. “Não rola em tio... nois agradece por lembra da gente, mas não tenho tempo não à parada aqui é sinistra se der bobeira os seguranças pega.... tenho que ganhar uma grana pra levar pra casa...  Olha aqui não rola trocar ideia, você é firmão tilzão, mas não posso ficar de bobeira e se eu ficar de óculo (parado) aqui é pedir para ser entubado (pego), os malucos (seguranças) me ponha pra fora e dão altos cola brincos (tapas) e ainda perco as mercadorias”. 
Naquele momento me dei conta que ele não um cidadão que pode usufruir daquele espaço e tão pouco não é um artistas famosos que param os corredores do shopping, mas ao contrario um jovem tentando sobreviver. E, que de alguma forma incomoda alguns clientes que indignados com sua presença acionam os seguranças. Nesta metamorfose “menino homem” que crianças e adolescentes lutam pela sobrevivência nos centros urbanos do nosso país. Eles, também movimentam informalmente a economia brasileira nos semáforos, nos calçadões e agora nos shoppings. Em sua maioria são rotuladas de ladrões, mas na verdade eles são sobreviventes do submundo que criamos. E, muitos deles pela circunstância socioeconômica familiar são submetidos ao comércio “ilegal” e alguns para não imigrarem para crime ou venda de drogas se tornam vendedores ambulantes nas ruas.
Nesse dia me dispus a observar para além do comercio, mas vê-lo como um adolescente e como as pessoas lhe tratariam. No entanto, na primeira abordagem os clientes jovens felizes festejavam algo e, ao perceber a presença do empreendedor uma crise de tristeza sobrecaiu e imediatamente os sorrisos deu lugar ao rancor, olhares sóbrios e palavras ofensivas. Os senhores querem comprarrrr?  Sem lhe dar chance de completar a frase os jovens dispararam uma rajada de não, não, não, não, não, não.... já falamos que não e sai daqui. Duas mesas à frente o casal resmungou em voz alta: Cadê os seguranças. O senhor todo elegante na aparência acompanhado de sua senhora não se contentou em esbravejar, olhou para o empreendedor dos pés à cabeça e da mesma forma olhou para o segurança do outro lado da praça e só com o olhar fulminante o denunciou.
Na mesa seguinte o jovem cutucou o pai e mostrou o empreendedor que caminhava em sua direção, mas antes de qualquer reação o empreendedor atacou novamente... "Boa tarde senhor e senhora, vocês querem comprar balas?" Não filho, você quer comer? - "Não senhora, obrigado!"  Rápido como um piscar de olhos o empreendedor se vira e aborda a família a sua esquerda: "Linda família senhor, querem comprar balas ou chicletes?" Não filho... respondeu à senhora que imediatamente disparou: Menino você mora a onde e cadê seus pais? Em meio ao bombardeio de perguntas uma jovem se aproxima do empreendedor e lhe entrega algo. Ele olhou para mão que como um passe de mágica foi tocado pela outra adolescente, sorriu para adolescente e imediatamente retribuindo com um pacotinho de balas. Alegre a adolescente ameaça um lindo sorriso aos pais que felizes lhe observavam alguns mestros.
Observo que na maioria das abordagens as vendas são bem sucedidas, mas para uma pequena parcela dos presentes a presença do empreendedor incomoda, passando á ser o assunto do momento. E, em meios burburinhos alguns tiravam fotos, outros com olhares furiosos o denunciavam aos seguranças, outros se levantavam com medo saíam, outros comunicavam os seguranças e outro o ignorava. Não demorou muito e em alguns minutos vários seguranças cercaram a praça de alimentação e montaram um forte esquema como se fossem prender um criminoso perigoso. Um dos seguranças, aparentado ser o líder, comunicou os demais pelo rádio... vamos pegá-lo agora... na cabeça deles o cerco estava fechado é erra só pegá-lo. Um dos seguranças prevendo um possível furo do bloqueio, observou que não seria tão fácil e pelo visto erra um dos que já tinha levado baile da outra vez, imediato chamou reforço, os bombeiros.
Naquele momento, eu, que presenciei uma fuga do empreendedor achei que o pegariam, pois, nunca tinha visto tanto seguranças e bombeiros. E, á todo momento comunicavam-se pelos rádios. Á passos lentos caminhava o empreendedor entre as pessoas e ao mesmo tempo com o olhar fixo no oponente, observou toda operação montada e como um bom estrategista montou sua rota de fuga. Convicto do seu plano continuou a suas vendas como se nada estivesse acontecendo. Naquele momento a pressão pairou sobre o local entre as pessoas. Mas, o empreendedor caminhava entre as mesas lentamente e quando ninguém esperava de repente empunhou uma fuga espetacular, equilibrando duas caixas de balas nas mãos, entre as mesas o seu corpo esquelético se contorcia entre as mesas, furou o bloqueio. E, não demorou muito para abrir alguns metros á frente do oponente e se não basta-se ser rápido, olhou para trás e mandou aquele lindo sorriso de felicidade como se estivesse brincando de pega-pega.
Alguns seguranças olhavam uns para os outros sem saber o que aconteceu e não acreditavam que mais uma vez ele fugiu sem deixar rastros no lindo piso de mármore. O empreendedor correu para sua liberdade e assim sumiu entre a multidão. Algumas pessoas naquele momento não se aguentaram e ariscaram sorrir e outros uns gritinhos, deixem o menino em paz, ele não esta matando e nem roubando. Lógico que estes ao apoiar o empreendedor contrariam os demais que os vaiou. A jovem que lhe deu algo não aguentou á alegria é aplaudiu de pé, naquele momento só ela entendia que as fugas do empreendedor não são uma brincadeira de adolescentes, mas uma luta para manter-se vivo e longe do crime.
Naquele momento pude observar que em meio à segregação existem os que amam além das ideologias e dos seus recursos financeiros e segundo a lógica humanitária e outras o empreendedor não deveria estar ali e muito menos comercializando balas e chicletes ilegalmente para sobreviver, mas o fato é: Ele está. A lição que fica novamente desse encontro é que poucos adolescentes serão donos de empreendimentos nas favelas e a migração para as ruas em parte é para fugir dos seus lares e da criminalidade territorial que os aliciam diariamente e para não ser mais um sugado pela criminalidade tentam sobreviver do próprio comercio ilegal. E, nos poucos minutos que lhe me concederá observei que o ódio proferido por alguns contra sua forma de sobrevivência não contraria sua vontade de viver.
E, que em meio aos discursos falsos de promessas vazias de alguns e entre estes os politico, nós que temos á consciência dessa realidade, possamos amar mais as crianças e adolescentes em situação de rua ou não, independentes da realidade que os cercam e os tornam “meninos homens”, pois a sobrevivência para alguns é uma linha tênue entre a criminalidade e a vida real. 
Para compreender melhor a história leiam: 
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/o-menino-empreendedor 1ty48va9ba1g7euamzaium01k
José Antonio é presidente estadual da Central Única das Favelas do Paraná, ativista social, empreendedor social, pastor IPB, formado em Teologia (FTSA) e Psicologia. Contato: jose.cufaparana@gmail.com

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