quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Coluna Versos & Prosa entrevistou Mano Cappu



Vocês são os nossos convidados para embarcar em mais uma narrativa da vida real. Desta vez Versos & Prosa foi dar um role virtual na Zona Oeste de Curitiba, fomo-nos conhecer um pouco mais sobre Rodrigo Pinheiro / Vulgo Mano Cappu. Anteriormente já esteve conosco, porém desta vez como uma pegada mais pessoal, Cappu fala sobre o sistema carcerário e ressocialização. Só conferir!
1) Versos & Prosa
– Você sempre traz a memória através dos seus trabalhos e dá escrita o seu período de reclusão, demonstrando que o crime não compensa e o sistema não ressocializa e como você enxerga essa realidade?
CAPPU:
Realmente o crime não compensa, é uma estrada quase que sem volta, são poucos os que conseguem se desvencilhar dela quando se jogam nesse caminho. Até mesmo porque o estado, a sociedade e empregadores não contribuem para a reinserção de um ex-infrator, mesmo após ele ter pago pelo seu erro, a sociedade vai discriminá-lo pelo resto da sua existência. E isto não é falácia da minha parte, até mesmo porque as estatísticas nos mostram que apenas 30% da massa carcerária voltam a ter uma vida em cidadania os outros 70% por não ter educação, um curso profissionalizante e até mesmo a tão desejada vaga de emprego acabam sucumbindo aos convites de retornar ao cotidiano do crime.
Infelizmente, pude comprovar a veracidade desta estatística em minha vida familiar, o fato que me deixou com raiva do sistema, foi quando meu pai saiu em liberdade e ele estava decidido em levar uma vida em cidadania, porém o preconceito foi sua muralha, logo no início ele descolou um trampo, e, no entanto, ele estava com a maldita tornozeleira e sempre ia trabalhar de calça pra não mostrar a marca que o sistema prisional brasileiro deixa em quem cometeu um crime, e o pior que estava no verão, e sol tava de rachar a moringa, e o patrão dele questionou por que ele não usava calção para ir trabalhar, então meu pai se viu obrigado a falar do problema e no dia seguinte foi demitido, o chefe dele inventou uma desculpa qualquer e acabou naquele momento com o sonho do meu pai de ser um trabalhador e levar a vida pelo certo, meu pai ficou arrasado com a situação, mas não desistiu, e ficou por mais uns 2 meses batendo de porta em porta atrás de um emprego que infelizmente não conseguiu.
Meu velho só conseguiu um emprego porque a mãe dos meus filhos falou com o chefe dela e o mesmo não viu problemas na contratação e já que era por uma indicação de alguém de confiança o meu pai deu início em um trampo, ele trabalha lá até hoje, mas foi graças à mãe dos meus filhos e também a Deus, se não todos já sabem o que teria acontecido... Este fato que meu pai vivenciou é só um pouco do que um ex-detento passa em nossa sociedade, eu não estou aqui defendendo criminoso como alguns desinformados pensam, acredito que se a pessoa errou ela tem que pagar pelo crime cometido, porém ela tem que pagar somente pelo tempo determinado por lei, entretanto, a pena não acaba com o ex-infrator em liberdade, ela continua pelo resto da vida desta pessoa, e isto não é certo. Até porque o crime não se combate apenas com a construção de mais cadeias.
Vejo isto como uma medida paliativa se quiser mesmo combater o crime, devemos investir em educação, saúde, cursos profissionalizantes, cultura, trabalho, e por que não dizer também a fé, esses pontos que citei tem como intuito agregar valores na vida dos infratores, porém o modelo que vemos hoje em nossas penitenciárias, infelizmente trabalham na contramão da solução do problema, a opressão que o detento é tratado em prisões brasileiras tem como intuito tirar ainda mais a dignidade desses seres humanos, isso é um problema gravíssimo, até porque, quanto mais se tira de um ser humano mais ele retrocede, um homem sem chão se torna um kamikaze e um kamikaze nada mais é que uma bomba relógio prestes a estourar.
2) Versos & Prosa
– Quando o rap “Hip Hop” surgiram em sua vida?
CAPPU:
- O RAP surgiu em minha vida por meio de uma fita K7 do Racionai´s Mc’s, o álbum Sobrevivendo no Inferno, este foi o primeiro contato que tive com a cultura hip hop, após este episódio louco em minha vida entrei de cabeça no movimento. Depois da fita K7 do Racionai´s, vieram diversos grupos, Ndee Naldinho, Consciência Humana, Face da Morte, MV Bill, Realidade Cruel, C.X.A, De Menos Crime, Gog, Doctors Mc’s, SP Funk, SNJ, sem falar nos grupos de rap de Curitiba, J.A.C, F.M.A, Arquivo Negro, Ativista MDE.. E, havia mais uns grupos das antigas que não vou me recordar agora. Mas posso afirmar com toda certeza, que, esta base que citei acima contribuiu muito pra minha formação de caráter, por meio de diversos sons eu pude discernir o certo do errado, o rap surgiu como um professor das ruas pra mim, sou grato a Deus por ter tido contato com a Cultura Hip Hop.


3) Versos & Prosa
– Como você vê o Mano Cappu antes e depois desse período de reclusão e qual o papel do Hip Hop para não transformar o que vivencio em magoa?
CAPPU:
O Mano Cappu de hoje é mais maduro, hoje tenho vivência do lado de lá da muralha, eu tinha uma visão um tanto quanto rasa da situação, hoje tenho muito conhecimento sobre o assunto, e falo com propriedade do barato, por que eu vivi, eu não li e nem assisti… Pow mano e a mágoa é algo que não se pode alimentar, esse lobo tem que morrer de fome dentro da gente saca? Porque se, você alimentar esse sentimento ele vai te levar a destruição, não só ele, mas qualquer outro saca?! Inveja, cobiça, talaricagem, vingança e mais uma pá de fita, que se a gente for parar pra pensar esses monstros nascem com a gente, porém vai da gente alimentar ou deixá-los morrer de fome.
E no caso de quem tirou uns dias e vive em um contexto de violência o trabalho tem que ser dobrado, porque a cartilha do crime parece que entra na gente de um jeito, que só Deus pra ajudar a se livrar desse barato, e olha que nos meus 18 meses de reclusão eu nem dava muita trela nas ideias de roubar, traficar e coisas do gênero. Mas por estar incluído neste cotidiano violento por diversas vezes queremos soluções fáceis para problemas difíceis, optamos pela violência como uma solução ao invés do diálogo, tá ligado? Hoje eu percebo que não tem solução fácil para um problema difícil, e também vejo que alguns problemas surgem nas nossas vidas para nos testar, a vida testa a gente, ela quer ver o quanto somos inteligentes para resolver um problema sem ferir ou magoar outras pessoas.
E o Hip Hop nessa fita, entra como aquele bom e velho professor das ruas, o rap é a música mais louca que existe na face da terra, porque ele fala a real sem maquiagem, tá ligado? Porém o rap não pode apagar o cachimbo de crack, o rap não pode chegar e soprar aquela carreira de cocaína, o rap não pode impedir um mano de apertar o gatilho, infelizmente o rap não vai impedir um mano de trair a mina dele,  rap não pode tomar decisões por ninguém o rap mostra diversos caminhos, mas ele não trilha esses caminhos por você, cada um faz a sua escolha e cada escolha vai exigir da gente uma renúncia.
4) Versos & Prosa
– Uma pessoa pode estar em liberdade, mas suas atitudes e pensamentos presos ao egoísmo, magoas, rancor e outros. Nesse sentido você se considera livre?
CAPPU:
Eu acredito que hoje eu sou plenamente livre, e o que alguns podem chamar de prisão eu chamo de fronteira, é necessário a gente ter fronteiras na vida, porque não dá pra andar em qualquer território e tem alguns terrenos que nunca quis andar e outros nunca mais quero colocar as plantas dos meus pés.
E para que minha liberdade seja mantida de forma plena, eu sempre fico limpando a lixeira da minha mente, porque tem b.o que não dá pra guardar dentro da gente, tem que dispensar, saca? Jogar fora mesmo. Porque tem alguns sentimentos que só nos leva a odiar mais, a ser mais egoístas, e a guardar mais rancor e mágoa de outras pessoas, e esses pensamentos são como um parasita, e esse parasita que está dentro de você, não vai destruir o odiado, ele destrói seu hospedeiro. E infelizmente nos dias de hoje existem milhares de pessoas em liberdade, porém, presas em prisões pior que Guantánamo.
5) Versos & Prosa
– Quem são as sua referências na música e na vida / fale sobre esta relação?
CAPPU:
No momento minha principal referência na música são os dois filhos da Dona Jacira, Emicida e Evandro Fióti, esses dois pretos são zica demais, olha o que os caras fizeram em prol do rap nacional, os manos levaram o barato pra um patamar que jamais tinha chegado na história do rap brasileiro, saca? E não é só na questão musical que os manos são zica na forma de trabalho, vejo um comprometimento enorme de todo o Laboratório Fantasma com a rua, e o que mais me impressiona na Lab é como eles se preocupam com a democratização do marca, isto é genial porque quanto mai0s gente tiver acesso ao nome Laboratório Fantasma, mais os valores da rua estarão em alta, e com isto haverá uma queda do preconceito com a Cultura Hip Hop, alguns podem até pensar que os caras estão nadando na grana e que os manos só fazem pela grana e tal, no entanto, nosso movimento precisa urgentemente amadurecer nesta linha de raciocínio, até porque se você parar pra ver, em diversos gêneros musicais tem muito cara ruim com o bolso cheio da grana e com essa grana esses caras ruins fazem mais coisas ruins, e por este motivo não vejo erro no din dos manos e de outros guerreiros do rap que fazem o corre pelo certo, eu vejo como algo bom pra Cultura, até porque os manos vão propagar só ideia de mil grau pra geral tá ligado?
E outro cara que curto demais o trampo é o escritor e psicólogo, Augusto Cury, os livros dele foram uma ferramenta importantíssima pra minha pessoa nos meus dias de reclusão, são livros que me levaram a questionar minha forma de pensar, um dos livros dele que mais me identifico é O Vendedor de Sonhos, eu acredito que também sou um vendedor de sonhos, eu estou ensinando por meio do ritmo e poesia que uma vírgula vale mais que um ponto final. E às vezes você por achar que o Mano Cappu tá lendo livro de autoajuda, não, não é autoajuda é ciência aplicada, caso gostem de ler, eu indico os livros deste autor dahora que é o Augusto Cury.
6) Versos & Prosa
– Quais os próximos projetos do Mano Cappu?
CAPPU:
Eu acabei de lançar o clipe da primeira faixa que compõe meu novo álbum (que ainda não revelarei o nome), Disciplina conta com as participações dos meus manos, MC Shat, e Betinho Cenalex (J.A.C), nesse som quis falar da importância do trabalho e da disciplina como chaves pra obter o êxito na missão. O próximo álbum já está quase finalizado, e em breve vamos disponibilizando as faixas pra vocês apreciadores da cultura irem degustando até sair todas em conjunto. Também estou trampando no meu livro que vai contar um pouco sobre os 18 meses que eu passei recluso injustamente por um crime que eu não cometi. 
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Mano Cappu | LaPaz - feat AlisSOM (Prod. Eibe Lapaz)

Direção: Tarja Preta Filmes
Para obter mais informações ou shows do Mano Cappu / contato:
Fone: (41) 99807-4353
E-mail: contatomanocappu@gmail.com
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Os textos, entrevistas, entre outros artigos, são de autoria de colaboradores ou dos colunistas da Coluna Versos & Prosas e não representa ideias ou opiniões do veículo. Coluna Versos & Prosas oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, em especial aos jovens de favela, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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