quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Estamos vivos: Contrariando as Estatísticas

- Confesso que nunca passou pela minha cabeça chegar tão longe. Estudar, viajar, receber prêmios, aliás em nossos projetos de vida, meu e dos meus amigos não havia espaço para esperança e sonhar era proibido. Esse foi o contexto nostálgico, emblemático e apático sobre o qual passamos parte das nossas, adolescência, em meados dos anos 80 - e, hoje, olhando para o contexto atual observo que é o de milhares de jovens brasileiros -, e pouca mudou. Os jovens continuam em segundo plano para o sistema e as margens da sociedade. No entanto, estas lembranças latentes são revividas constantemente em minhas memorias diárias e não me deixa esquecer que uma das únicas política pública constantemente -, na favela, em nosso solo sagrada era dos camburões (polícia), homens de fáceis amarrada (fechada) e com as suas escopetas, passavam vagarosamente nos fitando (olhando), olhares de julgo que nos sentenciavam. Enfim, inconformados tínhamos que seguir lutando para viver o hoje, pois o amanhã era algo tão distante da nossa realidade que entregávamos ao próprio destino. Na época, bicho grilo, éramos anestesiados pela indignação e de igual forma devolvíamos os olhares aos policias e a todos que nos viam como ameaça para sociedade.
- Em nós, só havia ódio e rancor, pois sabíamos que não passaríamos dos vinte anos de idade, pois, era e é a realidade da juventude em nosso país, digo os pobres, negros e moradores de favela. E, não exagerando. ... uma busca breve, nas estatísticas, observará tal realidade. Triste realidade eternizadas nas canções e de certa forma “romantizada” nas letras cantadas, invocada nas peças de teatro, nas campanhas governamentais e outros -, nada havia ao nosso derredor que nos protege-se da violência, da segregação, do racismo, ou seja, das mazelas sociais.
- Nada, mas nada mesmo tínhamos e alguns nem comida, refrigerante, bolacha recheada, pirulito, água potável, moradia decente -, em conformidade com os padrões morais e ético, constitucional; aliás, poucas vezes tinha algo diferente em nossas mesas e muito menos no armazém de seco e molhados pra se comprar; mas aos fins de semana e em especifico em alguns meses comemorativo a comunidade fervia, em alguns pontos -, festas juninas da igreja católica, os cultos evangélicos e nos terreiros com os cultos afro-brasileiro, na maioria rolava comida abundante, mas em especial ansiosamente esperamos o dia de Cosme e Damião para pegar balas e doces. Ah também tinha o parquinho do palhaço bolinha que uma vez por ano se instalava no terreno baldio, espaço das promessas, um espaço na comunidade que transformamos em nosso campo de futebol e apelidamos campos das promessas.
- Das promessas, pois por vezes ouvimos de alguns políticos que ali seria uma escola linda. ... -, promessa que ouvíamos de dois em dois anos, na época negociávamos o espaço com o povo do parque em troca de alguns ingressos, pois ali, eles se estalavam-se para fazer as manutenções dos brinquedos antes de prosseguirem para próxima cidade, os caras tinham uma vida nômade – que louco, achávamos o máximo e para nós era pura alegria ouvir as histórias e andar nos brinquedos – hoje, entendo que éramos buchas felizes, pois ao fazerem as manutenções dos brinquedos, era nós quem os testavam, ou seja, os buchas do teste drive -, rsrsrsrsrsrs. Bons tempos!
- Nesta época o mundo passava pela metamorfose, a exemplo: 1980: publicado o padrão da ethernet (tecnologia para redes locais); 1980: fundação do PT (Partido dos Trabalhadores) em São Paulo; 1980: ocorre a primeira videoconferência da história das telecomunicações; 1980: lançamento do filme Star Wars: O Império Contra-Ataca (Episódio V); 1981: a nave espacial Colúmbia faz seu primeiro voo; 1981: Rondônia deixa de ser território e passa ser um estado da federação; 1983: a empresa Apple lança o computador Macintosh; 1984: Diretas já, movimento que pedia a volta das eleições diretas para presidente do Brasil; 1986: Catástrofe na usina nuclear da cidade de Chernobil, levando a morte milhares de pessoas; 1986: Copa do Mundo no México: comandada por Maradona, a seleção da Argentina torna-se campeã; 1988: Amapá e Roraima deixam de ser territórios e passam a ser estados brasileiros; 1988: promulgada a Constituição Brasileira (em vigor até os dias de hoje). 1988: criado o estado de Tocantins; 1989: Queda do Muro de Berlim (ato simbólico que marcou o fim da Guerra Fria); 1988: O início da era de ouro do Hip Hop, no Brasil.
- Tudo isto e muito mais coisas acontecendo no mundo e, nós presos em um beco qualquer tentando sobreviver. Sem titubear confesso que em meio ao turbilhão de novidades tecnológica, cientificas e, para nós não havia o mínimo de dignidade por parte do sistema. Éramos, todos nós pressas fáceis do crime, assediados pelo lucro fácil e promessas vans. Contudo, tirando o parque e as festas das igrejas e dos terreiros, raramente acontecia algo de diferente na quebrada circunstâncias está que fazia com que os nossos corações saltarem do peito de alegria aos ver o comboio de caminhões velhos subindo a avenida rua ao campo das promessas, mas, tirando a galera do parque era raro as ações que nos motivava a prosseguir em caminhos contrário. ... eu e meus amigos.

- Éramos nós drenados diariamente pelas mazelas sociais, seduzidos pelas situações contrarias e confundidos pelas dificuldades familiar. Contudo, convidados diariamente há apresentar-se ao protagonismo ilícito. Todavia, a grande maioria mediante a pressão e as ofertas de uma vida de glória foram sucumbidos e doaram-se ao tráfico ou para criminalidade e assim findaram-se presos ou assassinados –, a esperança tão comenta entre os professores nas salas, nas propaganda de televisão e entre os adolescentes brancos, eram fagulhas e lampejos em nossos devaneios produzidas pelo nosso intelecto simbólico, distante da realidade presente e alimentadas pelo imaginário de dias melhores. ..., na calada da madrugada, pois durante o dia era proibido sonhar. 
- Éramos, todos adolescentes imaculados traídos pela nossa própria vontade de dias melhores, muitos alimentavam-se deste ideal de paraíso só em suas mentes e por raras vezes nas rodas de conversas compartilhavam e, quando sim, permitia-se delirar com um futuro de gloria através do futebol ou da música (rap), outros sob a fantasia amaldiçoada, conspiravam alcançar o topo através da criminalidade. No entanto, parte dos devaneios eram frutos dos filmes da sessão da tarde e do medo de amanhece na vala assassinado.
- Os filmes de super-heróis faziam tanto sentido para nós ao ponto de extrair de nós o silêncio absoluto e nos projetar na vida fantasiosa dos heróis -, Superman, Batmam, Jaspon e muitos outros, observamos calados as cenas no qual o bem sempre sobressair ao mal – e, por algumas horas éramos anestesiados dos nossos medos, dá dor, angustia, ódio, raiva e injuria, sentimentos latentes que pulsavam em nossas veias, nutrientes para as noites silenciosas de inverno  –, todavia, alguns de nós, aliás, aproximadamente sete (7), dos cinquenta jovens batizados no Bando do Cavalo Roubado ou BCR como éramos conhecidos não souberam aproveitar esses sentimentos negativos de forma contrário e positiva-los.
- E, ao canalizarem tamanha irá e indignação passaram a romperam com seus próprios destinos –, adiantando suas mortes prematuramente. Enfim, os que sobressaíam ao caos utilizaram das forças contrárias para seguir e não prostrar-se perante ao inimigo – e, formaram-se, conheceram o cinema, escada rolante, elevador, o hip-hop, computador, escola e concluíram o ensino médio e cursaram a universidade, foram há praia e passaram frequentar o centro da cidade e os shoppings. ... e, muitos não tiveram e não têm nos dias de hoje, tamanha oportunidade e partem diariamente a cada 23 minutos na estação do silencio, plataforma dos invisíveis com passagem só de ida.
- Por favor, alguém destrave o read, pois vidas são ceifadas diariamente, vidas recolhidas no berço da adolescência, vidas saqueadas pela cor da pele, pela opção sexual e religiosa –, nascem invisíveis e morrem invisibilizados. ... aos “olhos” do sistema. E, este é um fato que, na junção contemporânea governamental é vista. ... sob o viés da “guerra territorial”, “narcotráfico”, ou o “crime organizado” –, visto sob a fantasmagoria pejorativo e nunca sobre as falhas do próprio sistema e muito menos sobre olhares dos inúmeros potenciais que se vão prematuramente.
- Todavia, o sistema utiliza dos argumentos citados como subterfúgios para não assumirem as suas falhas para com os jovens –, fato concreto de fácil acesso exposto pelo contexto literário. Elucubrações contadas e recontadas desde o final do século vinte, designada esteticamente por muitos escritores como o século da decadência, porém, ampliada aos moldes dá estética modernista pomposa, que, a partir deste modelo exclusivista e segregacionista, outorgou as favelas como o mal do século –, eximindo-se em lócus da responsabilidade  –, no entanto, o sistema falhou e falha, pois a única política pública constante em territórios periférico, nas favelas é a polícia. Enfim, as favelas passaram estar sobre o domínio da biopolítica, das milícias e da criminalidade – e, por fim, espaços das mazelas sociais. Entrando na disputa urbana territorial as favelas passam ser frequentar por não favelados –, tornando-se espaço de visitação e empreendedorismo.
- E, com certeza a negação por parte de alguns é o que nos mantem vivos nesta jornada obscura pela sobrevivência. No entanto, observa-se que na grande maioria das masturbações metais literária é quase que impossível distinguir entre o que é problema ou solução. E, mesmo passando a ser objeto de estudos nas universidades, ratos de laboratório, história contadas em livros e estatística governamental -, excluídos da zona urbana central, tamanha rejeição nos levou na época ao plano duvidoso de quem somos, hoje, entendemos que convivemos com a morte à tiracolo. E, sob os olhares científico, vida que segue, mas fiquem sabendo que da ponte pra cá são histórias dessa natureza que se repetem diariamente – e, "somos os monstros que vocês criaram (Favela Vive - parte II). ... – e, o que vocês fizeram e fazem por nós?

- Eh, nestes territórios multiculturais florido que germina a esperança, exalando o doce perfume do amor ao desconhecido e aos órfãos. Contudo, somos convidados a sobreviver as tempestades de verão, as longas noite de inverno, a comida racionada ao crime e tantas outras mazelas -, porém, muitos de nós não mais são o problema social a ser removido, mas sim, a solução de outros que se tornam órfão do pátria amada. E, mesmo quando os nossos referenciais são exceções e não a regra, mesmo quando a visão literária tenta nos pintar de forma negativa -, abençoado fomos e somos, por estamos vivos mediante ao descaso e por ter a oportunidades de presentear os pares com a esperança e não com a desesperança. ... Contrariando as estatísticas. ...
- José Antonio Campos Jardim- é formado em psicologia, teologia e técnico em dependência química. Empreendedor social, colunista do Verso & Prosas, ativista social e produtor cultural, Presidente Estadual da Central Única das Favelas do Paraná.
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Os textos, entrevistas, entre outros artigos, são de autoria de colaboradores ou dos colunistas da Coluna Versos & Prosas e não representa ideias ou opiniões do veículo. Coluna Versos & Prosas oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, em especial aos jovens de favela, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade. Comentário e sugestão de pauta: contato.cufaparana@gmail.com

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