Coluna: Versos
& Prosas | Por: José Antonio C. Jardim.
Está é uma
reflexão que mistura-se á história de um flanelinha. ...
Os grandes centros
urbanos tornaram-se complexos. A diversidade cultural dá um show a parte,
visível nos cortes de cabelo, nas roupas coloridas dos jovens e na pregação do
crente no calçadão. Tudo se mistura aos arranha céus que expõem livremente os
grafites repudiando a cor politicamente correta: a cinza. Misturam-se a manobra
improvisada do skatista na escadaria da igreja e ao malabarismo do artista de
rua no semáforo.
Os gritos do
vendedor de balinhas misturam-se as buzinas dos carros, ecoando juntos aos
incalculáveis sons. Todos sob a brisa gelada a soprar da penumbra da nevoa,
tornam-se o pano de fundo de mais um dia a raiar, dissipando o romper dos raios
de sol que timidamente aquecem a vida urbana. Enfim, os grandes centros são a
mistura do tudo e do nada, emblemáticos, agitados, divertidos e perigosos.
Cenários multicoloridos que diariamente também presenteiam seus espectadores
com cenas nefastas e sombrias. Alguns quentes e outros gelados, a exemplo de
Curitiba, não tão diferenciada dos grandes centros, mas uma cidade única com
uso e costumes peculiares, com infraestrutura urbana invejável.
Arborizada e
acolhedora, transpirando ares europeus, clima volúvel no qual seus habitantes e
visitantes podem vivenciar as três estações climáticas num só dia. Certamente
que o múltiplo conjunto citado a diferencia de outras metrópoles brasileiras,
mas, de igual forma nas últimas décadas se igualou em outros aspectos, pois
tornou-se populosa e engana-se quem a vê diferenciada de outras metrópoles. E,
as sombras da sua beleza sabe muito bem ocultar as mazelas sociais, ofuscando
não só á proliferação das favelas, mas a violência e a crescente população em
situação de rua. Estes subjugados, marginalizados no paraíso, vivem e
sobrevivem aos arredores do emblemático central da cidade. E, muitos sob as
marquises dos prédios e viadutos, constroem seus “lares” temporários – ora
perseguidos, ora acolhidos pelos bons samaritanos. Invisíveis e alguns
formados, pessoas cultas e conhecedoras das mais diversas artes, países,
culturas, músicos, leitores das mais emblemáticas obras cientificas, pais de
famílias, enfim, pessoas como nós, mas que por algum fator psicológico, social,
vício ou outro motivo, resolveram viver e sobreviver nas ruas. Todavia, na
ânsia de angariar alguns trocados para diversos fins, utilizam-se do fluxo dos
carros e outros meios para garimpar moedas.
Certamente que
você já viu esses seres humanos nas ruas de sua cidade ou nos telejornais por
meio de alguma história triste. Mas lhes convido a conhecer “Robinho” –
provavelmente um apelido carinhoso que a própria rua lhe deu. Jovem negro,
ativo, sorridente e de boa aparência. Diariamente convive pacificamente com
seus opressores, tive o privilégio de trocar algumas palavras com esse jovem
sobre sua rotina diária. Ele, alegre, corria de um lado ao outro do quarteirão
onde cuida dos carros, sorria e gritava repetidamente: “Pedala Robinho”; bordão
utilizado anos atrás para expressar a felicidade de torcedores ao ver um ídolo
realizar emblemáticos lances de futebol. Nas ruas a expressão era corriqueira e
transcrevia a alegria de um jovem ao executar um lindo drible no campinho de
terra batida, na favela. Em alguns casos o “Pedala Robinho” vinha acompanhada
do leve tapinha na nuca – configurando-se a realidade cultural como um ato de
“advertência”. Todavia, entre um pelada pra cá e outro para lá, ele dá um show
de educação e acolhida, mas não deixa de “advertir” os motoristas
apressadinhos: se liga, pedala Robinho!
Uns vem, outros
vão e outros aguardam na fila, enquanto o jovem de forma “voluntária” auxilia
as manobras das balizas. Os agitadinhos buzinam e esbravejam indignados, os
pacientes aguardam na “fila” uma vaga, transparecendo conhecer e confiar no
guardador de carros. Com olhos atentos e com os braços gesticula pedindo calma
aos motoristas apressadinhos: “amigos na data de hoje temos atividade no
recinto público – peço aos senhores calma uns para com os outros, por favor,
para que não venham danificar seu carro e do seu possível amigo”.
Por ironia do
destino no mesmo quarteirão dois jovens uniformizados acenam aos motoristas,
disponibilizando vagas particulares. E, de igual forma Robinho indica o
concorrente: “amigos e amigas, se estiverem atrasados com seus afazeres
recomendo deixar seu carro aqui no vizinho e com certeza serão bem atendidos e
cuidados”. Estranho que á grande maioria dos motoristas se submetia a fila e a
sua liderança. Alguns minutos se passaram em meio à conturbada rua e pude
“entender” o porquê dos motoristas disputarem uma vaga com Robinho em vez de ir
até ao estacionamento privado que, em tese, é mais seguro e lhes dá “garantia”.
Mas, tudo se resume em carisma e empatia.
Tudo indica que o
jovem “trabalha” há anos naquele local próximo de um grande departamento
público e as pessoas habituaram-se com sua presença. Em meio ao fluxo de carros
um rapaz passou por ele e falou algo, buzinou repetidamente e ambos sorriram.
Neste momento observei que o vulgo “Pedala Robinho”, como é conhecido no pedaço,
faz parte da rua, assim como o morador mais antigo e árvores mais velhas.
Alguns de passagem, buzinam, outros gritam “Pedala Robinho” e lhes dão tchau.
Mas, voltamos ao rapaz, que após guardar o carro voltou na direção e ambos
continuaram a papear:
– Hoje você fica
rico!
Assim espero meu
patrão, respondeu: Robinho.
– Você cuidou da
nossa casa?
Sim senhor! Mas,
na medida do possível, tá ligado que tenho que cuidar dos carros.
– Dos carros, da
casa e da rua; argumentou o rapaz e sorriram.
Sim senhor… vai rolar
almoço patrão?
O tom da prosa
demonstra o nível de amizade entre ambos.
Mas, nem tudo é um
mar de rosas nas ruas, em especial para os flanelinhas, vistos como problema ou
bandidos. O ódio para com os habitantes em situação de rua pulveriza-se de forma
generalizada, diariamente estas pessoas são alvos de discussões e agressões por
motivos banais. No entanto, não é objetivo dessa reflexão encontrar quem é o
“santo” ou “demônio” nesta história, mas sim apresentar que as mazelas sociais
na sua maioria emergem-se dá ausência do sistema governamental para com a
realidade urbana presente. Todavia, desbravar a selva de pedra e aço não é para
os fracos, haja-vista que não demorou muito para aparecer o “dono do mundo”.
Rosto carrancudo, anunciando seu ódio ao jovem negro, esbravejando ferozmente
por não ter uma vaga disponível. Com a voz alterada, disparou: “não ficarei
refém de vagabundo, eu pago meus impostos em dia e não tenho que dar dinheiro
para este vagabundo comprar drogas e cachaça”. Acusou, gritou e culpou o jovem,
mas não teve o mínimo de decência para analisar que não era culpa do rapaz todo
transtorno e sim dos múltiplos fatores, inclusive á presença dele e estar
ali. E, se tratando de direitos, ir e
vir, é direito do jovem como á do senhor em não contribuir financeiramente com
o jovem.
Cenas
desagradáveis como está nos provam o quão complexos, agitados e perigosos
tornaram-se os centros urbanos para as pessoas em situação de rua. Ele nada
tinha feito para ser recepcionado de tal maneira. Certamente que é um direito
de todos os brasileiros estacionar nas ruas, porém nunca presenciei alguém
esbravejar-se com os flanelinhas legalizados do governo por não disponibilizarem uma vaga no local e
hora desejada. É direito do jovem estar ali e não cobrar – porém é sabido que
na teoria do caos uma pequenina mudança no ciclo governamental pode ser o
início de outras consequências para o bem ou para o mal de todos.
Quer ser crítico
seja, mas seja o ano todo e com os governantes e com os políticos corruptos
também, pois somos campeões em nos ausentar da responsabilidade total e focar
fogo máximo nos mais fracos, culpando-os pelas mazelas sociais. Somos nós os
propagadores do caos urbano também, somos nós especialistas em culpar o outro
por situações diversas e nos ausentar de nossas responsabilidades. Alguns são
campeões em desmerecer a história do outro. A presença dos jovens nas ruas é
culpa do sistema como nossa. E, diante do poder financeiro, não temos o direito
de ofender ou oprimir uma pessoa que tenta ganhar sua grana. E, verdade seja
dita, se não fosse á boa “vontade” dele em organizar a parada o caos poderia
ser pior. Simples!
- José Antonio C. Jardim (Zé da Cufa) é ativista social, psicólogo e
empreendedor social e presidente estadual da Central Única das Favelas do Paraná. Fanpage: https://www.facebook.com/zedacufa/
- O texto também pode ser acessado no site: http://porem.net/
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E-mail institucional:
contato.cufaparana@gmail.com
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